O Inferno

“Inferno é um estado de consciência em que não há entrega total a Deus, onde procuramos fazer uma troca, colocando nossos interesses pessoais no lugar do cumprimento da vontade divina…

Viver no Inferno é quando a vida nos parece sem sentido, sombria, tediosa, assustadora, sem objetivo, separada de todas as coisas e da Criação.

Tal alienação de Deus, que existe em vários graus e que se originou com a Queda dos Anjos, cria, no plano cósmico, novos mundos, de acordo com as atitudes transformadas dos seus autores: mundos escuros, designados na literatura espiritual como esferas de escuridão (Qliphot, na Cabala), e que nada mais são do que as formas de energia de desarmonia e ódio.”

Clarice Nunes
Dicionário de Pathwork

Ser ou Não Ser

São poucas as pessoas, em nossa cultura, que tem a coragem de ser si mesmas. A maioria adota papéis, veste máscaras, põe disfarces. Não acreditam que seu self genuíno seja aceitável. Não foi aceito pelos pais : “não faça essa cara triste”, diz a mãe. “Ninguém amará você! Ponha um sorriso nessa cara !”.

E assim, a criança coloca uma máscara sorridente para ser amada. “Ombros pra trás, peito para a frente “, diz o pai para seu filho pequeno, que então passa a adotar essa fachada de masculinidade. Os papéis e jogos, em geral, desenvolvem-se com mais sutileza em resposta a exigências implícitas e a pressões por parte dos pais.

As máscaras, disfarces e papéis tornam-se estruturadas no corpo porque a criança acredita que esta impostura conquistará a aprovação e o amor dos pais. Nossos corpos são moldados por forças sociais, dentro da família, que modelam e determinam nosso destino…que é o de termos que tentar agradar para receber aprovação e amor.

Alexander Lowen – “Medo da Vida”

Criando o Falso Eu

Em suas tentativas de reprimir pensamentos, sentimentos e comportamentos, os pais usam várias técnicas. Às vezes emitem ordens claras: “Não me diga que você está pensando assim!”, “Menino crescido não chora !”, “Não bote a mão aí nessa parte do seu corpo !”, “Nunca mais quero ouvir você dizendo isso !”, e “Não é assim que a gente age aqui na nossa família !” Ou se não – como fazem as mães quando vão com o filho às lojas – ralham, ameaçam e espancam.

Muitas vezes os pais moldam a criança através de um processo mais sutil de invalidação – simplesmente optam por não ver ou não recompensar determinados comportamentos. Por exemplo, se os pais dão pouco valor ao desenvolvimento intelectual, presenteiam os filhos com brinquedos e equipamentos esportivos, não com livros nem com kits de ciências. Se os pais acreditam que as meninas devem ser gentis e femininas e os meninos fortes e afirmativos só recompensarão seus filhos por comportamentos adequados ao sexo de cada um. Por exemplo, se o garoto entra na sala rebocando um brinquedo pesado, dizem: “Olha que garotão forte que você é !”, mas se a menina é que entra com aquele mesmo brinquedo, eles previnem: “Cuidado para não estragar o seu vestidinho !”.

A influência mais profunda, contudo, que os pais exercem sobre os filhos é através do exemplo. A criança observa instintivamente as escolhas que os pais fazem, as liberdades, prazeres que eles se concedem, os talentos que desenvolvem, as habilidades que ignoram e as regras que seguem. Isso tudo tem um efeito profundo sobre ela. “É assim que se vence na vida !”. Quer a criança aceite o modelo dos pais, quer se rebele contra ele, essa socialização inicial também desempenha um papel significativo na escolha dos companheiros.

A aceitação pela criança dos ditames da sociedade passa por diversos estágios previsíveis. É típico que a primeira resposta seja esconder dos pais comportamentos proibidos. A criança tem pensamentos de raiva, mas não os verbaliza. Ela explora seu corpo na privacidade do quarto, atormenta os irmãozinhos menores quando os pais estão fora. E, finalmente, chega à conclusão de que alguns pensamentos e sentimentos são tão inaceitáveis que deveriam ser eliminados de dentro de si própria; assim ela constrói um pai e uma mãe imaginários dentro de sua cabeça para policiar seus próprios pensamentos e atividades – essa é a parte a que a Psicologia Freudiana batizou de Superego.

A partir desse momento, sempre que tem um pensamento proibido ou se permite um comportamento “inaceitável “, a criança experimenta um golpe de ansiedade administrado por ela mesma. Esse golpe é tão desagradável que ela faz adormecer algumas dessas partes proibidas de si mesma, ela as reprime. O preço ultimo de sua obediência é a perda da totalidade.

Para preencher esse vazio, a criança cria um “falso eu“, uma estrutura de caráter que serve ao duplo propósito de camuflar as partes do seu ser que ela reprimiu e protegê-la contra novos sofrimentos. Por exemplo, o menino criado por uma mãe inacessível e sexualmente repressora pode tornar-se um “durão”. Ele diz a si mesmo: “Não ligo se minha mãe não é afetuosa. Não preciso dessa bobagem sentimental. Posso me virar sozinho ! E, outra coisa… eu acho que sexo é sujo !”


E ele acaba por aplicar esse padrão de resposta a todas as situações. Não importa quem tente se aproximar dele, ele levanta a mesma barricada. Mais tarde, depois de superar a relutância em se envolver com relacionamentos amorosos, é provável que ele venha a criticar sua companheira pelo desejo de intimidade e saudável sexualidade que ela demonstra: “Por que você quer tanto contato ? Por que você é tão obcecada por sexo ? Isso não é normal !”

Um menino diferente talvez reagisse de modo oposto a esse tipo de criação; ele iria exagerar seus problemas, na esperança de que alguém viesse em seu socorro: “Coitadinho de mim, estou ferido, profundamente ferido. Preciso de alguém que tome conta de mim !”

Outro menino talvez se tornasse avarento, lutando para se apoderar de cada naco de amor, comida ou bens materiais que cruzassem seu caminho, com medo de nunca ter o bastante. Mas qualquer que seja a natureza do falso eu, seu propósito é o mesmo : minimizar a dor de perder uma parte da totalidade divina da criança original.

Em algum ponto na vida de uma criança , no entanto, essa engenhosa forma de auto-proteção torna-se a causa de novos ferimentos, à medida que ela é criticada por possuir esses traços negativos. Os outros a condenam por ser inacessível ou carente ou egoísta ou gorda. Os que atacam não vêem a ferida que ela tenta proteger nem avaliam a sábia natureza de sua defesa; tudo o que vêem é o lado neurótico de sua personalidade. Ela e julgada inferior, ela não é íntegra.

E agora a criança está presa na sua própria armadilha. Ela precisa agarrar-se a seus traços adaptativos de caráter porque eles servem a um propósito útil , mas ela não quer ser rejeitada. O que pode ela fazer ? A solução é negar ou atacar os que criticam. “Não sou fria e distante”, diz ela em defesa própria, “sou, isso sim, forte e independente !”, ou “não sou fraca e carente ; sou sensível !”. Ou ainda, “não sou ávida e egoísta, sou previdente e prudente !”. Em outras palavras : “Não é de mim que você está falando. Você só está me vendo sob uma luz negativa !”

Num certo sentido ela está certa: seus traços negativos não são parte da sua natureza original, foram forjados na dor e tornaram-se parte de uma identidade que foi assumida, um “pseudônimo que a ajuda em suas manobras num mundo complexo e as vezes hostil. Isso não quer dizer, no entanto , que ela não tem tais traços negativos: existem inúmeras testemunhas que poderão comprovar que ela os possui. Mas, para manter uma auto-imagem positiva e ampliar suas chances de sobrevivência, ela precisa negá-los. Esses traços negativos tornam-se aquilo que chamamos “o Eu Reprimido”, partes do falso Eu que são demasiado dolorosas para serem reconhecidas.

Classificamos a proliferação de partes do Eu Original – aquela unidade amorosa na qual nascemos – em três divisões:

  • Eu Perdido” – as partes que fomos obrigados a reprimir devido às exigências da sociedade
  • Falso Eu” – a fachada que erigimos para preencher o vazio criado por essa repressão e pela falta de desenvolvimento
  • Eu Reprimido” – partes negativas do nosso falso Eu que, não sendo aprovadas por nós mesmos, as negamos

De toda essa complexa colagem, em geral só percebemos as partes do nosso Ser original que ainda estão intactas bem como certos aspectos do falso Eu. Juntos, esses elementos formam a nossa “Personalidade”, o modo como nos descrevemos para os outros.

O Eu Perdido está quase totalmente fora de nossa percepção; rompemos praticamente todas as ligações com partes reprimidas do nosso ser.

O Eu Reprimido (as partes destrutivas do falso Eu) paira logo abaixo do limiar de nossa percepção e está ameaçado de emergir. Para mantê-lo oculto arregimentamos todas as nossas forças ou então projetamos seu conteúdo sobre os outros.

Harville Hendrix

O Rio dos Sentimentos

Nossos sentimentos desempenham um papel muito importante por dirigirem todos os nossos pensamentos e ações. Existe em nós um rio de sentimentos, no qual cada gota d’água é um sentimento diferente e cada um depende de todos os outros para sua existência. Para observar esse rio, sentamo-nos à sua margem e identificamos cada sentimento à medida que ele vem à tona, passa por nós e desaparece.


Há três tipos de sentimentos — agradáveis, desagradáveis e neutros. Quando temos um sentimento desagradável, podemos querer afastá-lo. O mais eficaz é voltar à nossa respiração consciente e apenas observá-lo, identificando-o em silêncio para nós mesmos. “Inspirando, sei que há um sentimento desagradável em mim. Expirando, sei que há um sentimento desagradável em mim.” Chamar o sentimento pelo seu nome, “raiva”, “tristeza”, “alegria” ou “felicidade”, nos ajuda a identificá-lo com clareza e reconhecê-lo em maior profundidade.

Podemos usar nossa respiração para entrar em contato com nossos sentimentos e aceitá-los. Se nossa respiração for leve e tranqüila — resultado natural da respiração consciente — nossa mente e nosso corpo irão lentamente se tornando leves, tranqüilos e claros. E da mesma forma nossos sentimentos. A observação plenamente consciente se baseia no princípio da “não-dualidade”: nosso sentimento não está separado de nós nem foi causado apenas por algo externo a nós. Nosso sentimento é nosso eu, e temporariamente nós somos esse sentimento. Não submergimos nesse sentimento, nem nos aterrorizamos com ele, tampouco o rejeitamos. Nossa atitude de não nos agarrarmos aos nossos sentimentos e de tampouco rejeitá-los é a atitude de desapego, uma parte vital da prática da meditação.

Se encararmos nossos sentimentos desagradáveis com cuidado, afeição e não-violência, podemos transformá-los naquele tipo de energia que é saudável e que tem a capacidade de nos nutrir. Através da observação consciente, nossos sentimentos desagradáveis podem ser muito esclarecedores para nós, proporcionando-nos revelações e compreensão a respeito de nós mesmos e da nossa sociedade.


A não-cirurgia
A medicina ocidental dá ênfase demais à cirurgia. Os médicos querem eliminar o que não for desejável. Quando temos algum distúrbio no corpo, eles muitas vezes nos aconselham uma operação. O mesmo parece se aplicar à psicoterapia. Os terapeutas pretendem nos ajudar a descartar o que é indesejável e manter somente o que é desejável. Mas o que sobra pode não ser muito. Se tentarmos nos livrar do que não queremos, podemos nos livrar da maior parte de nós mesmos.

Em vez de agir como se pudéssemos nos desfazer de partes de nós mesmos, deveríamos aprender a arte da transformação. Podemos transformar nossa raiva, por exemplo, em algo mais salutar, como a compreensão. Não precisamos de cirurgia para eliminar nossa raiva. Se nos enfurecermos com nossa raiva, teremos duas raivas ao mesmo tempo. Devemos apenas observá-la com amor e atenção. Se cuidarmos da nossa raiva dessa forma, sem tentar fugir dela, ela se transformará. E uma pacificação. Se estivermos em paz em nosso íntimo, poderemos aceitar nossa raiva. E possível tratar a depressão, a ansiedade, o medo ou qualquer sentimento desagradável dessa mesma forma.

Passos para transformar os sentimentos

O primeiro passo ao lidar com os sentimentos é reconhecer cada sentimento no instante em que surge.
O meio para isso é a plena consciência. No caso do medo, por exemplo, você recorre à plena consciência, olha para o medo e o reconhece como medo. Você sabe que o medo brotou de você mesmo e que a plena consciência também brotou de você mesmo. Os dois estão em você, não em luta, mas um cuidando do outro.

O segundo passo consiste em se tornar uno com o sentimento.
Melhor não dizer, “Vá embora, Medo. Não gosto de você. Você não é eu.” Muito mais eficaz é dizer, “Oi, Medo. Como é que você está hoje?” Em seguida, você pode estimular esses seus dois aspectos, a plena consciência e o medo, a se cumprimentarem como amigos e a se unirem. Isso pode parecer assustador, mas, como você já sabe que você é mais do que seu medo, não é preciso se amedrontar. Desde que sua mente esteja alerta, ela fará companhia ao seu medo. A prática fundamental é nutrir a plena consciência com a respiração consciente, para mantê-la alerta, cheia de vida e força. Embora no inicio sua plena consciência possa não ser muito potente, se você a alimentar, ela se tornará mais forte. Contanto que a sua consciência esteja plena e presente, você não será submerso pelo medo. Na realidade, você começará a transformá-lo no exato instante em que dentro de si der à luz a percepção.

O terceiro passo é o de acalmar o sentimento.
Como a consciência plena está cuidando bem do seu medo, ele começa a acalmar-se. “Inspirando, acalmo as atividades do corpo e da mente.” Você acalma seu sentimento só por estar com ele, como uma mãe segurando ternamente o filhinho que chora. Ao sentir a ternura da mãe, o neném se acalma e pára de chorar. A mãe é sua mente alerta, nascida das profundezas da sua consciência, e ela tratará do sentimento da dor. A mãe que segura o bebê forma uma unidade com ele. Se a mãe estiver pensando em outras coisas, a criancinha não se acalmará. A mãe tem de abandonar as outras coisas e apenas segurar seu filhinho. Por isso, não evite seu sentimento. Não diga, “Você não é importante. Você é só um sentimento.” Passe a formar uma unidade com ele. Você pode dizer, “Expirando, acalmo meu medo.”

O quarto passo é largar o sentimento, soltá-lo.
Graças à sua calma, você está à vontade, mesmo em meio ao medo; e sabe que esse medo não vai crescer e se transformar em algo esmagador. Quando você se descobre capaz de tomar conta do seu medo, ele já está reduzido a um mínimo, tornando-se mais brando e menos desagradável. Agora você pode sorrir para ele e deixá-lo partir, mas por favor não pare por aqui. Acalmar e largar um sentimento são apenas curas para os sintomas. Você agora tem a oportunidade de se aprofundar e trabalhar na transformação da raiz do seu medo.

O quinto passo é olhar profundamente.
Você examina em profundidade o seu bebê — seu sentimento de medo — para ver o que está errado, mesmo depois que o bebê parou de chorar, mesmo depois que o medo se foi. E impossível segurar uma criança no colo o tempo todo. Por isso, você deve examiná-la para ver a causa do que está errado. Com esse exame, você verá o que o ajudará a começar a transformar o sentimento. Você perceberá, por exemplo, que seu sofrimento tem muitas causas, internas e externas ao seu corpo. Se há algo de errado em volta dele, se você conserta a situação, com carinho e cuidado, ele se sentirá melhor. Ao examinar seu bebê, você verá os elementos que o estão fazendo chorar. Ao vê-los, você saberá o que fazer e o que não fazer para transformar o sentimento e se sentir livre.

Esse processo é semelhante ao da psicoterapia. Em companhia do paciente, o terapeuta observa a natureza da dor. Muitas vezes, o terapeuta pode revelar causas de sofrimento que se originam da forma pela qual o paciente encara a vida, das opiniões que ele tem sobre si mesmo, sobre a sua cultura e o mundo em geral. O terapeuta examina esses pontos de vista e essas opiniões com o paciente, e juntos eles colaboram para libertá-lo daquele tipo de prisão em que estava. No entanto, o esforço do paciente é crucial. O professor deve trazer à luz o professor que existe dentro do aluno; e o psicoterapeuta deve trazer à luz o psicoterapeuta que está no íntimo do seu paciente. O “psicoterapeuta interno” do paciente poderá então trabalhar em tempo integral de uma forma muito eficaz.

O terapeuta não trata do paciente simplesmente lhe repassando um outro conjunto de opiniões. Ele tenta ajudar o paciente a perceber que tipos de idéias e de crenças levaram ao seu sofrimento. Muitos pacientes querem se ver livres dos sentimentos dolorosos, mas não querem se livrar das opiniões, dos pontos de vista (CRENÇAS) que são as verdadeiras raízes dos seus sentimentos. Portanto, o terapeuta e o paciente têm que trabalhar juntos para ajudar o paciente a ver as coisas como elas são. O mesmo vale para quando recorremos à plena consciência para transformar nossos sentimentos. Depois de reconhecermos o sentimento, de nos tornarmos unos com ele, de o acalmarmos e de o largarmos, podemos examinar suas causas em profundidade. Elas muitas vezes se baseiam em percepções incorretas. Assim que compreendemos as causas e a natureza dos nossos sentimentos, eles começam a se transformar.

(Thich Nhat Hanh. “Paz a cada passo: como manter a mente desperta em seu dia-a-dia”
Ed. Rocco, 1993

O Trabalho com o Eu Superior

Só podemos dar um encaminhamento positivo à nossa vida quando estamos dispostos a assumir responsabilidade por ela como ela é agora.

A pior forma de escravização da mente é sucumbir à mentalidade da vítima, de acordo com a qual tudo o que somos é resultado dos atos de outras pessoas. Quando caímos na armadilha desta crença, ficamos impotentes, humilhados, incapazes de mudar ou de aproveitar qualquer opção que se apresente. Exigimos que os outros mudem primeiro para nos sentirmos livres, poderosos, o que for. Gastamos toda nossa energia tentando mudar os outros ou as circunstâncias. Agindo assim, não somos livres.

É verdade que, num dado momento, pode ser preciso culpar os outros ou esbravejar contra a sociedade, contra os pais ou o destino, com intuito de descarregar os sentimentos e perceber em que sentido ainda estamos presos à impotência e à desesperança. Mas se mantivermos a crença na vitimização, trairemos a mais profunda verdade do nosso ser, ou seja, a de que somos agentes livres e criativos da divindade, por mais que estejamos temporariamente limitados e distorcidos, e por mais restritivas que sejam as circunstâncias cármicas.

Quando percebemos que estamos neste mundo limitado e dualista, mas não somos necessariamente deste mundo também saberemos que estamos unidos ao criador. Nossa tarefa é manifestar tanto quanto possível a nossa divindade inerente, aprendendo a ser co-criadores positivos no nosso mundo. O primeiro passo é assumir a responsabilidade pela criação de nossa própria vida, tal como ela se apresenta na atualidade.

Somos responsáveis pela nossa vida simplesmente porque ninguém mais poderia sê-lo. Estamos constantemente sujeitos a muitas influências e condicionamentos externos, passados e presentes, e contudo somente nós conduzimos a nossa experiência de vida a cada momento.
Por mais caótica que pareça nossa vida num determinado momento, somos nós os autores das escolhas atuais.

Essa verdade não deve ser usada para nos diminuir quando a vida vai mal nem para nos engrandecer quando ela vai bem. É fácil distorcer a idéia da responsabilidade pessoal e transformá-la no dever de assumir a culpa pelas coisas “ más” da vida e o crédito pelas “boas’. A criação da vida não é uma questão de culpa ou crédito do Ego, pois as forças criativas que moldam a nossa vida incluem complexas forças inconscientes, coletivas e circunstanciais que estão além do controle do pequeno Ego. No entanto, também é verdade que as escolhas de vida pessoais tanto ao nível consciente como no inconsciente, em última análise cabem exclusivamente a nós.

Cada um de nós manifesta um conjunto único de realidades, organizado como um Eu separado. Cada um de nós é uma expressão complexa do que os seres humanos podem expressar e vivenciar. Somos muito mais do que o Eu separado delimitado pela pele. No entanto, cada um de nós também é um Eu diferenciado, um corpo separado. A vida que vivemos agora precisa ser aceita como a manifestação do nosso centro singular de consciência criativa – tanto do Eu Inferior quanto do Superior, nos níveis da personalidade do Ego, da Criança interior e da Alma Transpessoal.

Quando aprendemos a reconhecer o Centro Criativo Interior, podemos aprender a criar a vida de maneira muito mais harmoniosa. Aprendemos a criar conscientemente, a partir do Eu Superior e não a criar inconscientemente, a partir do Eu Inferior. Mas, para aprender a criar positivamente, em primeiro lugar é preciso aceitar a responsabilidade sem atribuir culpas pelas nossas criações negativas na vida.

Suzan Thesenga
“O Eu sem defesas”

Confiança

“Se você puder confiar, uma coisa ou outra sempre acontecerá e ajudará seu crescimento.
Suas necessidades serão supridas.
Tudo aquilo que for necessário numa determinada época, ser-lhe-á dado, nunca antes.
Você somente o recebe quando precisa, e não há sequer nenhum momento de atraso.
Quando você necessita, você o recebe imediatamente, instantaneamente!
Essa é a beleza da confiança.
Pouco a pouco você vai aprendendo como a existência dá a você, como a existência cuida de você.
Você não está vivendo uma existência indiferente.
Ela não o ignora.
Você está preocupado desnecessariamente.
Tudo é provido.
Uma vez que descubra a chave de perceber isso, toda a preocupação desaparece e você vive mais feliz.”

Osho.

O Castelo

Em ”Love and Awakening” , John Welwood emprega a analogia do castelo para ilustrar o mundo dentro de nós. Imagine um castelo magnífico, com corredores intermináveis e milhares de aposentos. Cada cômodo do castelo é perfeito e tem um dom especial. Cada aposento representa um diferente aspecto de você mesmo e é uma parte completa do castelo inteiro e perfeito. Como e quando criança, você explorou cada centímetro do seu castelo, sem vergonha ou espírito crítico. Sem medo, procurou as preciosidades e os segredos de cada cômodo. Amorosamente, você assumiu cada aposento, fosse ele um banheiro, um quarto ou uma adega. Cada um e todos os cômodos eram únicos. Seu castelo estava cheio de luz, amor e maravilha.

Então, um dia, alguém chegou lá e lhe disse que um dos aposentos era imperfeito, que com certeza não pertencia ao seu castelo. Sugeriu-lhe que, se quisesse ter um castelo perfeito, você deveria fechar aquele quarto e trancar a porta. Como desejava ser amado e aceito, você rapidamente fechou o quarto. À medida que o tempo foi passando, mais e mais gente foi até o seu castelo. Todos deram sua opinião sobre os aposentos, de quais gostavam e os que lhes desagradavam. E, aos poucos, você foi fechando uma porta depois da outra. Seus aposentos maravilhosos foram sendo trancados, ficaram fora do alcance da luz, mergulhados na escuridão.

Um ciclo havia começado.
Desse momento em diante, você passou a fechar cada vez mais portas; pelas mais diversas razões. Fechou portas porque tinha medo ou porque achou que os quartos eram muito arrojados. Trancou as portas de outros por julgá-los muito conservadores. Outras portas foram fechadas porque alguns castelos que você visitou não tinham cômodos como aqueles. E outras, ainda, porque seu líder religioso lhe disse que você deveria manter distância de certos quartos. Você fechou toda porta que não se encaixasse nos padrões da sociedade ou em prol de seu próprio ideal.

Acabou-se o tempo em que o seu castelo parecia não ter fim e o seu futuro se apresentava brilhante e cheio de emoções. Você já não cuidava mais de cada cômodo com o mesmo amor e admiração. Aposentos dos quais você se orgulhava, agora queria que desaparecessem. Você tentou imaginar formas de se livrar deles, mas eles faziam parte da estrutura do castelo. Chegou um momento em que você, tendo fechado a porta de todo e qualquer cômodo de que não gostasse, acabou por se esquecer completamente deles. No princípio, você não percebeu o que estava acontecendo; tinha se tornado um hábito. Com tanta gente dando palpites tão diferentes sobre qual a aparência que um magnífico castelo deveria ter, tornara-se mais fácil dar atenção aos outros do que à sua voz interior: a única que amava seu castelo por inteiro. Na verdade, o fato de fechar aquelas portas começou a lhe dar segurança. Logo você se viu morando em poucos e apertados cômodos. Aprendera a fechar as portas para a vida e sentia-se à vontade fazendo isso. Muitos trancaram tantos aposentos que se esqueceram de que algum dia foram um castelo. Passaram a acreditar que eram apenas uma casa pequena, de dois quartos, necessitando de consertos.

Agora, imagine seu castelo como o lugar onde você abriga tudo o que você é, a parte boa e a má, e que todas as características que existem no planeta também estão em você. Um de seus cômodos é amor; outro é coragem; outro, elegância; e outro é graça. Há um número infinito de aposentos. Criatividade, feminilidade, masculinidade, honestidade, integridade, saúde, sensualidade, poder, timidez, ódio, ganância, frigidez, preguiça, arrogância, doença e maldade são aposentos do seu castelo.

Cada um deles é uma parte essencial da estrutura, e cada aposento tem seu oposto em algum lugar do seu castelo. Felizmente, nunca ficamos satisfeitos sendo menos do que somos capazes de ser. Nosso descontentamento com nós mesmos nos motiva a ir em busca de todos os cômodos perdidos do castelo. Só conseguiremos encontrar a chave da nossa individualidade se estivermos dispostos a abrir todos os aposentos do castelo.

O castelo é uma metáfora para ajudá-lo a perceber a enormidade do seu ser. Cada um possui esse lugar sagrado dentro de si mesmo. É de fácil acesso, se estivermos prontos e ansiosos por ver a nossa totalidade. A maioria das pessoas tem medo do que poderá encontrar por trás das portas desses quartos. Assim, em vez de partir numa aventura, para encontrar nosso eu escondido, cheio de emoção e maravilhas, conservamo-nos fingindo que os quartos não existem.

O ciclo continua. Mas, se você quer de fato mudar o rumo da sua vida, terá de entrar em seu castelo e abrir vagarosamente todas as portas, uma a uma. Precisará explorar seu universo interior e recuperar tudo o que havia rejeitado. Só na presença do seu eu integral você poderá apreciar sua magnificência e gozar da totalidade e singularidade de sua própria vida.

(a citação acima está no livro “O Lado Sombrio dos Buscadores da Luz”, de Debbie Ford)

Conto Rabínico

Num dos extremos do Universo ergue-se uma montanha muito alta.
Em seu cume jaz uma pedra enorme.
E jorra da pedra uma fonte de água cristalina.
No outro extremo bate o coração do mundo. Todas as coisas tem coração.
E o Universo também possui um único e grande coração, que não desvia o olhar da fonte cristalina,
e não se cansa de fitá-la.
O coração do mundo anseia, deseja e suspira sedento de água cristalina.
Mas não pode aproximar-se, sequer um passo em direção da fonte.
Pois, assim que se move do lugar, perde de vista o cume da montanha e a límpida nascente.
E quando, por um só instante, não enxerga a fonte, o coração perde o alento e o mundo começa a morrer…
A fonte cristalina não possui tempo próprio; vive do tempo que o coração do mundo lhe oferece.
E o coração do mundo lhe oferece um dia, apenas.
Quando o dia morre, a fonte entoa um poema ao coração e Este lhe responde com um cântico.
E suas melodias se espalham pelo Universo, irradiando fios de luz que unem, uns aos outros, os corações de todas as coisas criadas…
E há um homem justo e bondoso que caminha pelo mundo, recolhendo dos corações os fios luminosos, urdindo com eles, o Tempo.
Quando acaba de tecer um dia inteiro, ele o oferece ao coração do Universo.
este oferece-o à fonte cristalina.
E a fonte vive mais um dia…

Sch. an-ski – “O dibuk

A Alma Humana

A alma humana, dos seus níveis mais baixos até os mais altos, é uma entidade única e singular, apesar de ter muitas facetas. Em seu ser mais profundo, a alma do homem é uma parte do Divino e, a este respeito, é uma manifestação de Deus no Mundo. Com certeza, o mundo como um todo pode ser visto como uma manifestação divina, mas o mundo permanece algo diferente de Deus, enquanto que a alma do homem, em suas profundezas, pode ser considerada como uma parte de Deus.

De fato, somente o homem, em virtude de sua alma divina, tem o potencial e algo da capacidade real de Deus, em Si Mesmo. Este potencial se expressa como a capacidade de ir além dos limites de uma existência dada, de deslocar-se livremente e escolher outros caminhos, possibilitando ao homem atingir as maiores alturas – ou cair nos infernos mais profundos. Em outras palavras, é o poder de querer e de criar.

Portanto, do livre-arbítrio do homem deriva seu único potencial, do fato de que é uma parte da vontade divina, sem limites e sem restrição. O poder criativo do homem também é derivado do mesmo poder divino de criar coisas que jamais anteriormente existiram, destruir coisas que já existem, e inventar  novas formas. Nesse sentido, também, o homem é feito à imagem de Deus.

É compreensível que o Divino não apareça no homem em toda a infinitude do seu ser; e falamos somente de um aspecto de Deus, ou de uma faísca divina, que constitui a essência da vida interior do ser humano. Por mais velada e mascarada que esteja, em seu contexto mais amplo a raça humana também pode ser considerada como manifestação de Deus no mundo. E cada pessoa é uma parte intrínseca desta divina fonte de luz, o ponto da essência. Este ponto essencial e fonte é conhecido num certo nível como Shekhinah, o poder vitalizante divino, que dá vida ao mundo e em outro nível como Knesset Israel – o reservatório onde todas as almas do mundo estão contidas como essência única, apesar de não se revelar como tal, porque no mundo, apenas um brilho das faíscas da santidade em certas pessoas é revelada. Então, toda alma é um fragmento da luz divina. Como faísca, uma parte que contém algo do todo, a inteireza essencial da alma não pode ser alcançada senão pelo esforço, através do trabalho com o todo maior.

No entanto, apesar de todos os laços que unem a alma individual com uma fonte superior ou com todas as outras almas, cada faísca particular, cada alma individual é única e especial, em termos de sua essência, sua capacidade e o que dela se exige. Não há duas almas que coincidam em suas ações, funções e caminhos. Nenhuma alma pode tomar o lugar de outra, e nem o maior dos maiores pode preencher a função especial, o lugar especial, de outro que talvez seja o menor dos menores. A vida de uma pessoa é algo que não tem substituto nem troca possível; nada nem ninguém, pode ocupar o seu lugar.

A alma como existência primordial – ou seja, antes de sua conexão com o mundo físico – já é portanto uma entidade espiritual diferente, no sentido de que é uma combinação especial de vários mundos (Sefiras). Nenhuma alma pertence somente a uma Sefira, embora em toda alma existe  uma tendência a manifestar mais de algumas Sefiras do que outras.  Geralmente as almas são produtos das combinações entre as Sefiras; e pode haver centenas e milhares dessas combinações numa vasta variedade de formas, numa única alma. Então, pode-se dizer que as almas diferem de acordo com a diferença nas Sefiras que formam a combinação e na própria combinação, assim como no nível dos mundos dos quais a alma é manifestada. Tudo isso ainda está no campo de ação espiritual e abstrato.

Não obstante, a ação principal da alma, sua importância maior não radica no fato dela ser abstrata, e estar distante do mundo físico, mas precisamente no mundo das criaturas vivas, em seu contato com a matéria. Porque dentro do extremamente complexo sistema de relações entre a alma e o mundo da substância material como um todo – especialmente as relações com seu próprio corpo – a alma é capaz de alcançar níveis muito mais altos de evolução,  do que no seu estado abstrato de essência separada, no que se conhece como o estado paradisíaco fora do corpo.

O processo da conexão da alma com o corpo – chamado “a descida da alma para a matéria” – é visto de uma certa perspectiva como a profunda tragédia da alma. Mas a alma assume esse terrível risco, como parte da necessidade de descer para fazer a subida desejada até alturas desconhecidas. É um risco e um perigo, porque a conexão da alma com o corpo e o seu contato com o mundo material, o único fator que está  livre (não limitado pelo determinismo da lei física e capaz de escolher e mover-se livremente), possibilitam à alma cair e, na queda , destruir o mundo. De fato, a Criação em si mesma, e a criação do homem é exatamente esse risco, uma descida cuja finalidade é uma posterior ascensão.

Naturalmente, a alma é imaterial e não está somente além da matéria, mas também além do que é considerado espírito: ou seja, está além de tudo o que o intelecto, no seu nível mais alto pode alcançar e entender ou esclarecer para si mesmo. Portanto, a alma não deve ser concebida como certa essência definida, encerrada no corpo, nem como um ponto ou substancia imaterial, mas como uma linha contínua de ser espiritual, estendendo-se da fonte geral de todas as almas até além do corpo específico de uma pessoa em particular. A ligação entre o corpo e a alma é como o que acontece no final de um raio de luz, quando um corpo escuro é iluminado. E como a alma não é um ponto único no espaço, ela deve ser encarada não como uma única existência que tem uma qualidade ou caráter, mas como muitas existências, numa variedade de níveis espirituais, um próximo do outro, acima e além do outro. Então, para começar, a alma dá ao corpo sua vida e seu ser, esse ser vital que diferencia tudo o que está vivo e é real. Além disso, ela fornece à pessoa individual seu caráter especial e, como conseqüência, fixa a maneira como ela participará da realidade da vida das criaturas no mundo.

Em outras palavras, uma alma humana, em seu nível mais primário, anima a  existência em termos de força de vida, movimento e propagação da espécie; e depois, em outro nível, ela age como fonte da capacidade do homem para pensar, imaginar, sonhar e contemplar. A faísca divina que é a alma vitaliza assim o corpo humano, com a essência da vida das criaturas vivas, mas de um modo muito mais complexo e potente que nas outras formas de vida. Apesar dessa complexidade maior de mente e emoções, este nível da alma é chamado “alma animal”, no sentido de que é paralela às almas de outras criaturas vivas tendo as mesmas funções, pensa e está consciente de si mesma, como estando concentrada num recipiente particular, o recipiente do corpo. Ao mesmo tempo, esta alma, a alma primária, natural animal do homem não está necessariamente ligada somente a necessidades animais ou aspectos físicos da vida, sendo – como ele é – a fonte dos aspectos ou qualidades peculiares a cada um como pessoal.

Num nível mais alto, acima desta alma primordial existe em cada ser humano uma alma divina. Esta é a primeira faísca de consciência além da espécie zoológica, além mesmo da consciência de um animal superior ou mais desenvolvido, e está diretamente ligada à essência divina, na forma de uma linha traçada de cima para baixo, estendendo-se do nível primordial chamado “Alma”, que existe , de uma forma ou de outra em todo homem. Ela existe em cada ser individual, escondida e encoberta como uma faísca de uma percepção superior, de uma aspiração superior, e toca o nível mais alto, que é o Espírito. Este nível corresponde ao mundo superior, acima do nosso próprio mundo de ação, chamado o “Mundo da Formação”. Em outras palavras, esse nível da alma humana, conhecido como “espírito”, corresponde em sua essência interna ao nível de um anjo no mundo da formação.

Além deste, há um terceiro nível chamado Neshamah (alma superior), que corresponde ao nível do ser no mundo da criação, que é ainda superior e mais puro. Acima deste, para além de Neshamah, há um nível denominado Chaya, que corresponde à ação das forças das Sefiras no mundo da emanação. E além de todos estes, o ponto mais interno da faísca divina é o chamado Yekhidah, que pode ser considerado o ponto de contato entre a alma e a própria essência de Deus.

Exatamente como a união de corpo e alma dá vida ao corpo, ela também envolve a alma na substância material e imaterial, fornecendo-lhe os poderes do corpo físico, e este não é um processo unidirecional. A alma não apenas dá ao corpo, força vital e vida, ela também obtém algo do corpo, da ligação do corpo com a matéria e a forma, suas capacidades físicas, seus canais de percepção e seus vários laços com o mundo material e imaterial. Deste modo a alma fica logicamente limitada e restrita pelo corpo, mas também incorpora uma nova forma de ser, um ponto de vista diferente. O contato e a atração mútua entre o corpo e alma criam uma contingência, uma situação única, gerando a pessoa humana, que não é nem corpo nem alma, mas uma fusão de ambos. Este ser “conjunto” pode realizar grandes coisas, dando expressão à glória do corpo, sendo criado da matéria inerte e para júbilo da resposta da alma a este contato mútuo.

Só que o eu não é um ponto particular, uma intersecção no espaço ou uma essência especifica, e assim, é diferente para um, e até num mesmo homem, nos diversos estágios do seu desenvolvimento. Nos primeiros estágios da vida, por exemplo, a existência do eu concentra-se quase totalmente na vida do corpo, enquanto que os níveis mais altos da mente e do espírito não se mostram, salvo de forma inconsciente. Com o crescimento, com o desenvolvimento dos poderes físicos e espirituais, uma pessoa se torna cada vez mais consciente da essência mais alta de sua alma. De acordo com as suas capacidades, uma pessoa pode perceber seu potencial espiritual como homem e ir além, se realizar o esforço, até o reino do Divino, nele. Mas sempre ficarão dentro de sua vida e consciência, poderes extraídos do seu corpo, do contato do seu corpo com a matéria e com os vários seres físicos e espirituais no mundo. Parte desses estão no eu sob forma de consciência, e parte não são conscientes, porque as essências inconscientes do ser persistem também nos aspectos mais altos da alma. Portanto, o progresso para a perfeição depende da capacidade de cada um de elevar o seu eu ao nível de identificação com a mente superior,  que está situada além do contato entre a matéria e o espírito; é uma ascensão de consciência mais alta que vai dos reinos do Espírito até a Alma e, em casos extremamente raros, até níveis ainda mais altos de Chayaque corresponde ao nível da revelação na profecia, quando o eu recebe poder e plenitude diretamente e conscientemente do mundo da emanação.

Então a consciência, assumindo sempre uma nova identificação ao longo da linha da vida da alma é o meio do homem ascender até a perfeição. Quanto mais a pessoa ascende, mais perto ela fica da realização da finalidade superior do seu ser. Com certeza, somente algumas poucas pessoas tem alguma vez o privilégio de atingir esses níveis superiores; e mesmo quando os alcançam, não é para neles ficarem, mas para experimentar um ocasional lampejo de consciência da existência maior. Somente as pessoas extraordinárias atingem este nível onde existe o eu, em termos de consciência, no mundo da emanação. O resto da humanidade vive no mundo da ação, ou um pouco acima dele. Eles podem ascender um pouco – se, de fato, conseguirem fazê-lo alguma vez – somente em virtude de sua escolha, seus esforços mais sinceros.

Como a alma é da essência interior das Sefiras, ela precisa necessariamente manifestar as estruturas das dez Sefiras na vida real; porque as mesmas são os instrumentos da Onipotência Suprema. Portanto, quando o homem vive num estado de perfeição, sem nenhuma distorção do seu ser, sua alma e as relações entre ela e seu corpo refletem o mundo inteiro e as dez Sefiras supremas, e  ele pode dizer: “ No entanto, na minha carne haverei de ver a Deus “ . O homem, na sua pureza, deveria ser capaz de perceber toda a ordem de relações entre Deus e o mundo, e a ordem de relações dentro das Sefiras como se reflete no microcosmo de sua existência humana; e de suas inter-relações mútuas deriva e manifesta-se todo o amplo leque de pensamentos, sentimentos e experiências do homem. Assim, as três primeiras Sefiras afirmam os aspectos da consciência pura:  Hockmah, que expressa o poder da luz original é o que distingue e cria e é a base da percepção intuitiva;  Binah, expressando o poder analítico e sintético da mente, constrói e inclui formas e sonda o significado do que vem da Sefira de Hockmah; e Daat, que expressa a cristalização da consciência em termos de conclusões e a verificação abstrata dos fatos, é o que permite à consciência fazer uma transição de uma forma de existência para outra, assegurando desse modo sua continuidade. Depois, seguindo-se a estas estão as três Sefiras das emoções mais elevadas: Chesed, Geburah e Tiferet.  Chesed, como graça e amor, representa  a inclinação para as coisas, o desejo de, ou a atração pelos seres, o fluxo de extroversão e abertura para o mundo, o que dá de si mesmo, seja em termos de vontade,  afeição ou relação e,  em dando, abre-se à Sefira de Geburah, ou Força. Portanto Geburah é uma retirada das forças para dentro, uma concentração de poder que fornece uma fonte de energia para o ódio, o medo e o terror, assim como para a justiça, a restrição e o controle. Tiferet é harmonia, compaixão, assim como beleza, sendo uma síntese ou equilíbrio dos poderes maiores da atração e da repulsão, e leva à aceitação moral e estética do mundo. Dessas, seguimos para as Sefiras que agem diretamente no mundo real da experiência: Netzah, Hod  e Yesod. Netzah é a vontade de vencer, o impulso profundo de realizar as coisas. Hod, na luta para cumprir e atingir o que se deseja, também é poder de repudiar os obstáculos que surgem da realidade, e perseverar. Yesod é o poder de conexão, a capacidade de e a vontade de construir pontes, fazer contatos e relacionar-se com os outros, especialmente da maneira como é feito com o professor,  o pai,  mãe ou ainda outras figuras de significado e autoridade. Finalmente, a Sefira de Malkhut é a realização, ou vivência deste potencial, no ser essencial; é a transição da alma para a existência externa, o pensamento e o fato. Também efetua a transmutação da consciência de volta para Kheter, a primeira e mais alta Sefira, que é a essência da vontade e contém em si todos os altos poderes que ativam a Alma, a partir de instâncias superiores.

Esses poderes básicos se combinam e trabalham juntos; dois ou mais deles produzem um evento ou ativam algo e juntos criam os pensamentos e sentimentos do homem em toda a sua enorme sutileza e complexidade. Então cada pensamento, emoção ou ato é resultado da combinação de forças de uma, outra, ou de todas as Sefiras, compondo assim uma essência singular, um ser ou criação particular no mundo.

A alma do homem funciona através do seu instrumento ou recipiente, que é o corpo. Através dele e com ele, a alma pensa, percebe, sente e age; através dele e por ele, a alma tem de cumprir sua dupla função na realidade. Primeiro tem de executar uma determinada tarefa no processo de aperfeiçoar o mundo externo, ou pelo menos essa parte do mundo à qual se destina. E, segundo sua tarefa é elevar-se. Mas essas tarefas não são necessariamente separadas; elas são cumpridas simultaneamente, porque o mundo físico contém em si mesmo uma essência maior, forças superiores nas quais, apesar de escondidos e distorcidos, existem elementos da ausência de forma divina original. É com essas forças superiores que a alma, em seu trabalho de evolução e aperfeiçoamento, ou ainda, correção  (Tikkun),  é unida: e assim elevando uma porção do mundo, também ela é elevada e levantada. A relação entre corpo e alma, e de modo geral entre o espírito das coisas e sua corporeidade, pode ser expressa pelo exemplo de um cavaleiro sobre um cavalo. Um cavaleiro que mantém o controle e guia seu cavalo pode ir mais longe do que poderia ir a pé. Então, como é adequada a imagem do Messias como um homem pobre montado num burro para descrever a condição humana; a faísca divina conduzida e guiando, o burro físico suportando e esperando por liderança e poder.

O caminho de Tikkun, o curso planejado para a estada da alma no mundo, é geralmente achado na Torá (a Bíblia hebraica), que se supõe seja um instrumento guia. Porque a Torá não é apenas uma revelação mais alta; é um guia prático para dirigir o homem em seu caminho, mostrando-lhe o que fazer e como fazê-lo, em sua tarefa de consertar o mundo. Dentro desse curso geral de tarefa de elevar o nível do universo, cada alma tem de achar seu próprio caminho particular, seu próprio lugar, e os objetos específicos relativos à sua existência. Portanto, foi dito que cada uma das letras da Torá tem sua alma correspondente; ou seja, cada alma é uma letra em toda a Torá, e tem sua própria função a ser cumprida.

A alma que cumpriu sua tarefa, que fez o que tem de fazer em termos de criar ou consertar sua própria parte do mundo e realizar sua própria essência, pode esperar, após a morte, pela perfeição do mundo como um todo. Mas nem todas as almas são privilegiadas assim; muitas se perdem, por uma razão ou outra; às vezes uma pessoa não faz todas as coisas corretas, e às vezes utiliza suas forças de maneira errada, estragando sua porção e a porção dos outros. Nesses casos, a alma não completa sua tarefa e pode até ficar machucada e comprometida no contato com o mundo. Não conseguiu completar a porção de realidade que somente essa alma particular pode completar, e, portanto após a morte do corpo, a alma retorna e é reencarnada no corpo de outra pessoa, e de novo, tem de tentar  completar o que deixou de corrigir ou o que danificou no passado.

Os pecados do homem não são eliminados até que sua alma possa completar o que precisa ser completado. Disso podemos ver que a maioria das almas não são novas, não estão no mundo pela primeira vez. Cada pessoa carrega a herança de existências anteriores. Geralmente não se obtém o eu anterior novamente porque a alma se manifesta em diferentes circunstâncias e em diferentes situações. Além disso, algumas almas se compõem de mais do que uma única pessoa anterior, compartilhando partes de várias pessoas. Uma grande alma, geralmente reencarna-se não num único corpo, mas se ramifica, participando de várias pessoas, cada uma das quais tem de satisfazer diferentes aspectos da existência. Apesar dessa incalculável complexidade, a alma estará formada pelos mesmos elementos constitutivos, e terá de completar essas tarefas incompletas deixadas pelo ciclo anterior. Portanto, o destino de uma pessoa está ligado não somente com as coisas que esta pessoa cria e faz, mas também com o que acontece à alma em suas encarnações anteriores. Os encontros e eventos da vida, suas alegrias e suas penas, são influenciados pela existência anterior de cada um. A existência de uma pessoa é uma continuidade, a sustentação de uma determinada essência fundamental; e certos elementos que parecem não pertencer ao presente podem subir até a superfície, e a pessoa tem de completá-los ou consertá-los ou corrigi-los uma porção do mundo que é sua tarefa colocar em ordem, para elevar sua alma até seu nível correto.

E esta luta das almas também é a luta e o caminho do mundo para a sua redenção. Quando as almas voltam e lutam para corrigir o mundo e justificar-se, num certo nível deste Tikkun geral ou correção, elas atingem seu pico máximo. Então os maiores obstáculos ficam atrás da raça humana, e esta pode prosseguir para a sua perfeição com passos seguros e sem a herança do sofrimento herdada de existências anteriores e pecados anteriores – este é o começo da Salvação, que é o tempo do Messias. Dessa maneira, o homem segue até que esse estágio seja atingido, quando então todas as almas voltam, cada uma para o seu próprio eu, quando cada eu no mundo entrará numa nova vida em completa fusão com as forças superiores da alma em todos os níveis e no corpo, manifestando todos os poderes potenciais que contém. Este nível da perfeição de toda a humanidade, no qual existirá uma nova relação entre corpo e alma, e o  mundo será um todo nele mesmo, é chamado “Paraíso”  ou “o Próximo Mundo“. É a meta para a qual todas as almas dos homens, ao desempenhar suas tarefas privadas e específicas na vida, aspiram e lutam.


“A Rosa de treze pétalas”Adin Even Yisrael – Steinsaltz

A Reconciliação com o Pai

Um aluno diz que desde a terapia primal, quando se olha no espelho,  vê a face do pai. Respondendo a perguntas de Osho , disse que amava o pai , mas não se relacionava com ele desde os 17 anos.
E o Mestre Osho disse:
… Você vai ter que se reconciliar, porque estar em conflito de alguma maneira com seu próprio pai é muito perigoso, porque metade de seu ser pertence a ele. A não ser que você se reconcilie com seu pai, nunca vai se reconciliar consigo mesmo. Esse é o problema …. Por isso uma reconciliação com seu pai é absolutamente necessária para seu próprio crescimento. Sua face é destinada a refletir a face de seu pai. Ela vem dele. É natural, é como tem que ser , conforme você envelhece, mais e mais a face de seu pai vai se parecer com a sua, e a sua face vai se parecer com as dele.
O aluno responde:  – “Eu não gosto que você diga isto.”
E o Mestre complementa:
Essa não é a questão. Gostar ou não gostar não é a questão. A pessoa tem que chegar numa reconciliação. Você não gosta disto , por isso o problema está lá. Isso significa que você não será capaz de gostar de si mesmo. É a sua face, e é claro que é a face do seu pai, a face do seu avô, a face do seu bisavô. É a face de toda a história que precedeu você.
Você não está sozinho. Você é parte de uma grande corrente, você é um elo nesta corrente. Você não poderia estar aqui se o seu pai não existisse. Você está aqui por causa dele e não existe maneira de negar isto. Toda negação é perigosa, o risco é todo seu. Isso é o que você tem feito. E mais e mais você verá que a face do seu pai se parece com a sua face, porque conforme você envelhece, mais e mais a sua face vai refleti-lo. Vai se tornar impossível para você se olhar no espelho. Mas mesmo que você não olhe no espelho, isso não faz diferença. Você vai ver isso de muitas maneiras – nas suas mãos, no seu corpo, no seu comportamento, na sua fala, no seu tom, no seu som. Ele vai estar em toda parte porque você veio como parte dele. Por isso todas as velhas tradições dizem que se deve buscar uma reconciliação, senão nunca haverá reconciliação consigo mesmo.
Então eu sei que você não gosta disso , mas esse não gostar pode ser abandonado.Faça uma coisa. Será difícil no começo, mas você terá que passar pela dor. Comprometa-se em todas as noites, pelo menos por vinte minutos, meditar na face do seu pai no espelho. Ajude que ela esteja lá e apenas observe todas as semelhanças na sua própria face. Crie toda a fantasia no espelho. Por mais que você queira recuar, não queira olhar, queira fechar os olhos – não adianta; vá para dentro dela. Medite nela todas as noites vinte minutos e não fuja disso.Se você  fizer isso, dentro de 3 meses muitas coisas vão acontecer. Primeiro a face vai assemelhar a face do seu pai. Então, um dia, de repente você verá que a face do seu pai desapareceu e é a face de uma outra pessoa. Talvez a face do seu avô. Porque ela também está lá, eu posso ver nesse exato momento – faces atrás de faces. Você carrega toda a história  de uma corrente, de uma herança. Nos seu olhos, na sua cor, na sua face, no seu cabelo , em tudo. Você não esta sozinho aqui, não existe nenhuma maneira de estar sozinho. A única maneira é estar conectado a um elo.
Cada célula do seu corpo é o resultado desta herança, de uma longa tradição. Então apenas observe. Um dia subitamente você verá que a face do seu pai desapareceu; tem alguém mais. Se você conhece seu avô, talvez você reconheça ele; se você não conhece, você verá uma face desconhecida. Se você reconhecer que é o seu avô, então um dia ele também vai desaparecer – uma outra face … Você será capaz de ir mais fundo nessas faces, e um dia de repente você verá que todas as faces desapareceram. O espelho está vazio e você está olhando para ele.
Isso pode acontecer qualquer dia dentro de 3 semanas a 3 meses – mas acontece. Vai acontecer se você continuar. No dia que todas as faces desaparecerem, seu problema se dissolverá. Então não haverá necessidade de fazer isto. Quando todas as faces desaparecerem, você chegou ao seu próprio ser e ele não tem nenhuma face – ou chame isto de sua face, mas não é uma face. A tradição Zen chama isso de face original. Os Bauls chamam isso de o homem essencial, mas isso não tem forma.
Escondido atrás de todas essas faces está o seu ser. Vá tirando as camadas. Você tira esta, outra camada aparece; outra camada – você a tira e outra aparece. Um momento chegará quando todas as camadas se forem e somente o vazio ficou nas suas mãos. Esse vazio vai resolver tudo. Então você sentirá tanto amor e compaixão pelo seu pai, pelo seu avô, por todas essas pessoas desconhecidas que tornaram possível  você existir. Você vai sentir uma tremenda compaixão, respeito e amor. E quando isso acontecer, procure o seu pai e pela primeira vez você será capaz de se relacionar com ele.
Sempre se lembre que seja o que for que você não goste, encare isto, e seja o que fôr que você quiser evitar, nunca evite. Seja o que for que te assiste, vá para dentro disto – é a única maneira de terminar com isso, de outra forma isso vai te assombrar como uma sombra. Você poderá dizer: “Minhas expectativas eram irracionais, eu era somente uma criança e eu estava inconsciente de todo o mundo e da complexidade dele. Agora eu compreendo que seja o que for que você fez era a única coisa que poderia ter feito, porque você também foi condicionado pelo seu pai, pela sua mãe, pela sociedade. Nós éramos polos à parte; havia uma abismo e nenhuma ponte. Mas por tudo o que você fez eu sinto gratidão.”
A reconciliação com seu pai vai te trazer uma nova visão da vida. Você vai se tornar mais relaxado, mais em casa, mais numa boa, e o seu estilo de vida vai mudar. De outra maneira, como eu te vejo, você está continuamente em tensão, porque brigar com  o próprio pai é brigar com uma metade do próprio ser.
Muito vai acontecer…

Osho – “The Passion for the Impossible”